A cada segundo a Terra fica mais pobre, apesar de toda a riqueza que é gerada. A cada pulsar dos ponteiros do relógio perdemos biodiversidade, expressa esta em toda a variedade de vida que ocorre no planeta. Uma perda que, inevitavelmente, tem impacto na forma como nos alimentamos. Com Paulo Lucas, dirigente da associação ambientalista Zero, percorremos, em conversa, as causas para um presente e futuro difíceis, um mundo artificial, sem recursos naturais e refém de espécies agrícolas patenteadas por multinacionais. “Sem a alteração do atual modelo económico, que passa por deixarmos de olhar para os recursos naturais como infinitos, o mais provável é que as sociedades acabem por colapsar”.
Quatrocentos cientistas de mais de uma centena de países deixaram-nos um aviso recente expresso num relatório, o mais completo sobre biodiversidade apresentado nos últimos 15 anos. Em Paris, no âmbito de uma reunião das Nações Unidas, conhecemos os números dramáticos da perda de biodiversidade neste nosso sistema Terra. Resumindo: Perto de um milhão de espécies do planeta enfrentam uma dura luta futura, a da extinção. Não é um cenário a longo prazo. O documento refere décadas.
Uma realidade à qual não é alheia a ação humana e da qual não podemos, enquanto espécie, sair imunes. O mesmo relatório que substanciará a Convenção das Nações Unidas sobre a Biodiversidade, a realizar na China, em 2020, apresenta argumentos preocupantes: “A destruição da biodiversidade e dos ecossistemas atingiu níveis que ameaçam o bem-estar da humanidade, pelo menos tanto quanto as alterações climáticas induzidas pelo homem”.
Em conversa com Paulo Lucas, membro dirigente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, tiramos o pulso à saúde do Planeta, à perda de biodiversidade e de como esta tem implicações diretas na forma como alimentamos uma população crescente.
Como será daqui a 30 anos? Com nove mil milhões de seres humanos a coabitarem num planeta doente e de recursos muitos mais escassos do que são hoje, fragilizado perante pragas agrícolas e à mercê de patentes com a introdução de transgénicos e de sementes certificadas no mercado.
Percebemos como a destruição sistemática de ecossistemas naturais, o modo irracional como suprimos as necessidades alimentares humanas, a intensificação da agricultura e das pescas, destrói irreparavelmente ecossistemas. Caminhamos para um “planeta cada vez mais artificializado”, sublinha o nosso interlocutor, responsável pelas áreas de biodiversidade, agricultura e florestas na Zero. Um retrato onde Portugal não fica bem, de acordo com Paulo Lucas: “O nosso país não possui qualquer estratégia sobre estes temas”. Um exemplo: “O país continua com um deriva muito forte rumo à intensificação da produção, suportada por uma política de regadio inconcebível num país que tem de ser mais eficiente no uso da água, numa expansão incontrolável de monoculturas, como a do olival intensivo”.
A biodiversidade tem sido desde há milénios um pilar do sistema alimentar do planeta. É lícito afirmar que a forma como o mundo se alimenta está a destruir esse pilar?
Sim. Com destruição sistemática de ecossistemas naturais para suprir as necessidades de espaço agrícola, em particular para produzir vegetais que vão depois servir de alimento de animais que por sua vez irão alimentar os seres humanos, criámos um círculo vicioso de destruição que nos pode colocar em dificuldades no futuro.
Por outro lado, a intensificação agrícola sustentada no uso massivo de pesticidas e fertilizantes inorgânicos, bem como em monoculturas sem descontinuidades, acaba por contribuir para uma perda generalizada de biodiversidade, incluindo a do solo, da qual ninguém fala porque está escondida e também porque dela pouco sabemos, por falta de investigação científica nesta área.
Estamos perante um cenário que, presumimos, em muitas situações, os danos sejam irreparáveis. O Paulo Lucas quer dar-nos alguns exemplos?
Quando se destrói uma floresta equatorial, falamos de danos irreparáveis. Quando falamos da destruição de uma turfeira em Portugal ou de um charco temporário, estamos a falar de danos irreparáveis. Aquilo que se sabe é que, quando muito, podemos efetuar uma reabilitação, um processo de reparação para que se restabeleçam os processos, a produtividade e os serviços de ecossistema, mas nunca pensarmos que estamos a restaurar, processo mais complexo e demorado que pretende recuperar a integridade funcional e biótica original e que não está ao alcance de uma geração.
A intensificação baseada em monoculturas deixa a nossa alimentação refém de muito poucas espécies, colocando a espécie humana em risco no futuro.
Pondo a questão de uma outra forma, o que ganhamos com a biodiversidade, particularmente a alimentar?
Fonte: Sapo Lifestyle